Vivemos uma era do Anti-intelectualismo cristão. A intelectualidade cristã está em crise. Há uma carência de vida interior e cultivo da vida intelectual em muitos círculos cristãos. O autor da carta aos Hebreus censurou a igreja quanto ao desprezo pelo exercício intelectual cristão: “Pois, com efeito, quando devíeis ser mestres, atendendo ao tempo decorrido, tendes, novamente, necessidade de alguém que vos ensine, de novo, quais são os princípios elementares dos oráculos de Deus; assim, vos tornastes como necessitados de leite e não de alimento sólido”. (Hebreus 5.12). Eles estavam ignorando o conhecimento da divindade e a glória do Evangelho.
Há muitos cristãos que influenciados por filosofias humanistas rejeitaram a atividade intelectual. Precisamos resgatar o apreço pela vida intelectual. O apóstolo Paulo, grande sistematizador das doutrinas cristãs, momentos antes do martírio demonstrou seu grande apreço pela vida intelectual quando ansiosamente disse: “Traze a capa que deixei em Trôade, em casa de Carpo, bem como os livros, especialmente os pergaminhos” (2 Timoteo 4.13). Russell Shedd comentando esse texto disse que o teólogo inglês William Tyndale, “na prisão, pediu sua camisa de lã, sua Bíblia e uma gramática hebraica com o dicionário dessa língua”. Tyndale é conhecido como tradutor da Bíblia para o inglês. A obra O Peregrino, grande clássico da literatura cristã, foi escrito pelo puritano John Bunyan quando estava na prisão, dentre outros textos também. Tal era a compreensão elevada desses homens em relação à vida intelectual.
Ao contrário do que se pensa, a vida intelectual não consiste meramente na leitura de muitos livros, mas na atividade reflexiva dos livros, da realidade, na contemplação e no diálogo consciente com o objeto em reflexão. A atividade intelectual não se resume apenas à formação do imaginário e muito menos é de exclusividade de eruditos. A intelectualidade cristã não é alienada da vida em sociedade. A vida intelectual cristã é especialmente, o culto a Deus, o Eterno, o Transcendente. É a contemplação do Belo.
A vida intelectual cristã, portanto, constitui na busca pelo conhecimento de Deus. Jesus, o Verbo de Deus, afirmou que a vida eterna consiste em conhecer o Pai, o único Deus verdadeiro e ao Seu Filho (João 17.3). A vida cristã é um chamado para o trabalho intelectual. A atividade intelectual é chamada para o serviço de Deus — uma devoção de coração e vida. É o serviço de administração da Criação. A vida intelectual é agradável a Deus, um empenho para conhecê-Lo e produz felicidade ao coração sábio. De fato, a vida intelectual é uma dádiva de Deus e feliz é o homem que busca e encontra o conhecimento (Provérbios 3.13).
O apóstolo Paulo exortou Timoteo quanto ao cultivo da intelectualidade cristã quando disse: “Até à minha chegada, aplica-te à leitura, à exortação, ao ensino”. (1 Timoteo 4.13). C.S. Lewis, um dos maiores pensadores cristãos do séc. XX, ponderou acerca da intelectualidade cristã: “Deus não detesta menos os intelectualmente preguiçosos do que qualquer outro tipo de preguiçoso. Se você está pensando em se tornar cristão, eu lhe aviso que estará embarcando em algo que vai ocupar toda a sua pessoa, inclusive o cérebro.” John Stott, um dos maiores intelectuais cristãos do século XXI afirmou categoricamente: “A fé e o pensamento caminham juntos; e é impossível crer sem pensar”. T. S. Elliot, poeta, dramaturgo e crítico da língua inglesa disse: “Onde está a sabedoria que perdemos com o conhecimento?”.
Há, porém, muitos cristãos que têm negligenciado esse trabalho fundamental para a formação do pensamento, convicção e virtude. Movidos pelo sentimentalismo e o fanatismo muito propagado e incentivado por muitos pregadores, ignoram o trabalho intelectual — furtando-se do seu desenvolvimento espiritual, moral e intelectual. John Wesley, líder do movimento metodista, avivalista e teólogo britânico censurou o fanatismo religioso quando os cristãos esperavam por poder espiritual negligenciando a oração e o estudo das Escrituras. É necessário também ponderar quanto ao perigo do desequilíbrio muito incrustado em algumas mentes na igreja brasileira. O apóstolo Paulo exortou a Timóteo quanto ao cuidado de uma intelectualidade e espiritualidade equilibrada: tanto com a doutrina (conhecimento/intelectualidade cristã) quanto com a vida (ética cristã/devoção) (1 Timoteo 4.16).
Precisamos ser como os puritanos do século XVI e XVII que tinham luz na mente e fogo no coração. Eles primavam por intelectualidade e espiritualidade. Há, porém, muitos intelectuais que primam pela doutrina destituída da ética cristã — da aplicação para a vida. Há muitos cristãos e pastores que influenciados pelo pragmatismo religioso rejeitam o conhecimento bíblico/teológico. Preferem o que dá certo ao que é verdade segundo às Escrituras.
A História nos mostra que a intelectualidade cristã foi pujante para o desenvolvimento humano em todas as esferas da vida. Muitos pensadores cristãos contribuíram com o conhecimento da parte de Deus e à serviço de Deus. Dentre os quais se destacaram o apóstolo Paulo, Tertuliano, Orígenes, Justino Mártir, Crisóstomo, Agostinho, John Wycliff, Lutero, William Tyndale, Calvino, John Knox, Thomas Watson, John Owen, Jonathan Edwards, John Wesley, John Broadus, Charles Spurgeon, William Booth, Martin Luther King Jr, John Stott, Dietrich Bonhoeffer, Billy Graham etc. Os legados e heranças deixados pela comunidade intelectual cristã reverbera atualmente — espiritualidade, devoção, intelectualidade, tradição, escolas, institutos teológicos, universidades, orfanatos, arte, cultura, ciência, medicina etc.
Finalmente, a intelectualidade cristã é uma dádiva, um culto e um chamado divinos que visa a glória de Deus. A vida intelectual cristã é vital porque orienta a igreja para o empreendimento da busca pelo conhecimento de Deus, para uma reflexão bíblica/teológica saudável e para um viver sábio no mundo. Portanto, nos esforcemos pelo resgate do trabalho intelectual: 1. Com o retorno à prática da leitura séria e estudo cuidadoso e reverente das Escrituras Sagradas. 2. Com a primazia da educação cristã continuada na comunidade da igreja local. 3. Com a diligência dos seminários teológicos pelo equilíbrio entre intelectualidade e espiritualidade. 4. Com o investimento na vida intelectual cristã através de aquisição e leitura de livros, artigos, ensaios, teses etc. 5. Com o incentivo e resgate do ofício sublime da escrita. 6. Com a promoção dessas práticas tão vitais por meio de grupos de estudos e leitura, seminários, feiras culturais, conferências e congressos. Certamente, fazendo isto, contribuiremos para o desenvolvimento e cultura cristãs, manifestando o Reino de Deus na terra, pois, o cristão é exortado a dar razão da sua esperança, e para tanto, se faz necessário termos a mente de Cristo, sendo continuamente renovada e conformando-se à Ele, a Sabedoria de Deus.
“Vós, pois, amados, prevenidos como de antemão, acautelai-vos; não suceda que arrastados pelo erro desses insubordinados, descaiais da vossa própria firmeza; antes, crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A ele seja a glória, tanto agora como no dia eterno”
(2 Pedro 3.17,18)
Texto: Francisco Ediney Reis/ Escritor