Quem conhece o Auto do Boi, que fundamenta a história do boi bumbá,
sabe da participação da Catiririna (a grávida que desejou comer língua de boi)
e o boiadeiro Pai Francisco (marido dela, que para satisfazer a mulher matou o boi do patrão,
o Amo, e deixou a Sinhazinha da Fazenda inconsolável,
e a solução foi apelar para as feitiçarias do Pajé e seus Rituais Indígenas
que ressuscitaram o referido bovino e todos festejaram o acontecido até hoje
em suas mais diversas caracterizações folclóricas).
O casal, portanto, é quem dá o mote do desenvolvimento do enredo folclórico
que encanta e embala o Festival de Parintins há mais de meio século no Amazonas.
Só que esses personagens não figuram entre os 21 itens das apresentações
de Garantido e Caprichoso que são julgados pelos jurados.
Mas eles estão lá, merecem estar lá, embora não pareçam ser de lá.
Ou seja: não entendo por que não estão como itens principais das apresentações.
Não vi até agora uma explicação plausível sobre essa “discriminação” folclórica,
dentro do espetáculo, até porque é a partir da história de Catirina e Pai Francisco
que se desenvolve todo o enredo, todo o show
que alimenta as outras performances.
Já houve um tempo até em que os bumbás traziam as figuras da Catirina e Pai Francisco
totalmente fantasiadas ou estilizadas, bem longe dos trajes humildes
que em princípio lhes seriam peculiares; e quase sempre eram homens brancos fantasiados,
pintados de preto (uma vez que o casal, segundo a história, é originário de povos africanos ou de caboclos mesmos, queimados pelo sol).
E a cada ano, a única preocupação com eles é saber como vão aparecer por ali,
dançando em volta do boi.
O espetáculo dos bois bumbás de Parintins é algo irreversível,
e mesmo que extrapolem o conteúdo original ou transformem tudo em um show inimaginável a cada ano,
acredito que as origens folclóricas não devam ser esquecidas e, sempre que possível, respeitadas.
Deixemos até de lado a discussão de se ter uma Porta Estandarte e uma Rainha do Folclore que,
resguardada a beleza incontestável e participação das expoentes, têm mera função decorativa no enredo principal. Na minha opinião,
não deveriam ser itens, embora não devam ser descartadas, claro.
Polêmicas e discussões incansáveis à parte, é realmente inadmissível,
repito, que Catirina e Pai Francisco não tenha seu lugar de destaque nas apresentações
e disputa dos itens oficiais no Festival de Parintins,
muito embora o protagonismo deles na história original do Boi Bumbá seja incontestável.
Infelizmente hoje, só lhes restam estar no Auto,
porque no Ato encenado na Ilha Tupinambarana
vão permanecer como coadjuvantes, meros coadjuvantes.
Texto: Evandro Lobo/Jornalista e Poeta.