Mês de março, proximidade de uma data fatídica ainda grudada na nossa memória; o Presidente da República fora do país, do outro lado do mundo, acompanhado dos Presidentes das duas Casas Legislativas e metade do corpo ministerial; uma campanha cerrada acontecendo pela imprensa contra o governo, resultado de um conluio com o “tal mercado”, que conta com seus “Camisas Negras” a serviço da desorientação midiática e da pregação do fim do mundo se não houver “corte de gastos” e reformas que favoreçam os seus interesses; uma extrema direita enlouquecida, que já cantou o Hino Nacional para um pneu e bate continência para a Bandeira dos EUA; uma multidão de fanáticos, enrolados na Bandeira de Israel recitando lições do Velho Testamento e gritando em coro que as galinhas estão cobrando mais caro para “botar ovo”, que os cafezais apodreceram com uma das sete pragas do Egito e uma Figueira Velha que não dá mais frutos são sinais dos tempos e vingança divina contra o “herege” que nos governa; e, por fim, a fuga de um dos herdeiros do “ungido” na cestinha de vime, levado pelas correntes marinhas e vestido, apenas, com um bonezinho vermelho com a grife MAGA.
Esse era o contexto, no Brasil, no momento em que o Supremo Tribunal Federal (STF), através da sua Primeira Turma Julgadora, reuniu-se para Receber a Denúncia Crime da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o Ex-Presidente da República e mais sete outros integrantes do núcleo principal de uma possível organização criminosa que perpetraria um Golpe de Estado no Brasil.
São outros tempos, mas as semelhanças com momentos anteriores nos assombram. O medo, portanto, é inevitável!
O STF tomou todas as precauções de segurança e até o principal acusado, o Ex-Presidente Jair Bolsonaro, compareceu ao lado do seu advogado no primeiro dia do julgamento e, após a sua conclusão, no dia seguinte, fez um pronunciamento, transmitido pela mídia a partir do Congresso Nacional, ao lado de correligionários, em tom de defesa pessoal. O rito do judiciário foi cumprido à risca. Tudo foi feito de modo civilizado. Ufa! A denúncia foi Recebida e a Ação Penal foi aberta, tornando-se fato histórico: a primeira vez que um ex-presidente e militares com as mais altas patentes das Forças Armada são acusados de golpistas e declarados réus pela Alta Corte de Justiça.
Tudo é inusitado, os crimes de que são acusados comportam penas muito altas e muitas águas ainda vão rolar. Mas, vale lembrar que “na posse do primeiro presidente civil, após 21 anos de ditadura militar, em 1985, ninguém poderia nos adiantar como seria o caminho para reimplantar a democracia no Brasil. O esforço para responder a essa pergunta foi parte importante na construção da nossa vida pública. E o que era, apenas um rascunho tomou forma. No Brasil contemporâneo, as instituições políticas estão consolidadas, os poderes separados, as eleições são livres e periódicas, os cidadãos manifestam vontades individuais e coletivas. O experimento democrático não é mais compreendido como um valor instrumental, mas como um fim em si mesmo…Contudo, no Brasil a democracia convive perversamente com a injustiça social” (SCHWARCZ, Lilia M. e STARLING, Heloisa M. BRASIL: UMA BIOGRAFIA. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 502).
No momento em que o mundo todo apresenta sinais de estresse no modelo de convivência democrática, é alentador que vivamos uma pequena epifania. Mas, não dá para baixar a guarda para as forças malévolas que operam diuturnamente para nos carregar para a barbárie, para a tirania dos poderosos sobre os pobres e miseráveis. Os ritos democráticos continuam incompatíveis com as desigualdades sociais, sejam elas de qual origem for. E, para superá-las, o papel do Estado Democrático de Direito é indispensável e soma-se a um profundo sentimento ético que deve morar no coração de cada um de nós e florescerá quando nos despirmos de tanto egoísmo!
Texto: Walmir de Albuquerque Barbosa – Jornalista e Escritor