Falamos muito em “Faria Lima” como o centro do capitalismo financeiro do Brasil,fonte de todos os desejos e, para os contrários, como sendo a engenhoca de todas as perversidades econômicas que certificam nossas desigualdades sociais.
Vista nos mapas da Capital Paulista, estende-se do Itaim Bibi até as proximidades da Praça Pan Americana,no Alto de Pinheiros, isso depois das grandes obras para ligar lados opostos da cidade onde se concentram os bairros nobres, pondo fim a um ciclo nostálgico de uma Avenida bem mais modesta nos anos 70 do século passado, que se estendia do Largo da Batata até a Avenida Cidade Jardim.
Estudando na USP, fui morar no Bairro de Pinheiros, portanto a meio caminho dos meus interesses, posses e necessidades e, talvez por isso, a hoje imponente avenida signifique para mim menos do que significou para os Novos Baianos a esquina da Avenida Ipiranga com a Av. São João, na proporção exata da minha importância!
Apesar do crescimento exponencial de São Paulo, posso afirmar com convicção que nada garantia que aquela via pública seria conhecida no mundo dos negócios como um cofre virtual e por seus adversários como sede endiabrada do capitalismo globalizado.
Naqueles tempos até se dizia que se o propósito era substituir a Avenida Paulista supervalorizada,a especulação imobiliária tinha dado com os burros n’água. Faria Lima tinha “cabeças de cobras” enterradas nas suas calçadas. Parece que sua pureza idílica foi conspurcada com o primeiro grande escândalo do novo capitalismo financeiro, dado por um Banco de Investimentos – cujo dono chegou a ser condenado, mas não cumpriu a pena e deixou muitos na falência -, instalado nas primeiras torres de concreto e vidro, justamente na esquina da Faria Lima com a Rebouças.Depois disso, parece que o Demônio elegeu-se síndico profissional do pedaço: as agências dos bancos estaduais e populares foram desaparecendo e os novos personagens do mundo financeiro lá foram se instalando, até chegarem as Fintechs e outros fundos e tudo virou um paraíso fiscal intocável.
Seu pacto com os demônios do universo financeiro urdem as tramas de negócios variados,aqueles que podem ser feitos à luz do dia e aqueles que procuram as sombras dos vidros fumês que cobrem as fachadas espelhadas e luxuosas de seus prédios.Como um teatro de marionetes, mexem-se os pauzinhos e a Bolsa sobe, a Bolsa desce, o Dólar baixa,o Dólar sobe e os sábios do mercado circulam invisíveis nas suas limusines prateadas e blindadas,ou chegam de helicópteros para o fechamento do pregão e maquinar o dia de amanhã tão ou mais perverso de que o anterior.
Com um “apito de cachorro”, atiçam na mídia abalizada seus economistas de plantão,sacerdotes do mercado, para meter pavor no povo e influenciar o “Boletim Focus”, instrumento especulativo que baliza as decisões miraculosas do nosso “Independente Banco Central”.
Para eles, o país nunca está bem e muito menos melhorando: é com tristeza que os setores “inteligentes” do mercado recebem a notícia de que o Desemprego no Brasil chegou a uma Taxa de 5,6 % em agosto deste ano, a menor de toda a série, desde que foi instituído esse indicador estatístico para medir a maior desgraça de uma nação, que é a falta de trabalho e renda. E eu que não tenho rendas para distribuir, mas rezo todos os dias para São José, patrono dos trabalhadores, pedindo que se compadeça dos desempregados para que arranjem trabalho e sustento para si e suas famílias,vou à loucura!
A justificativa deles é cínica: empregabilidade plena pressiona a economia,faz circular mais dinheiro entre os pobres, que comprarão mais comida e assim os preços do mercado subirão com a pressão do consumo; com isso, a inflação cresce e se afasta da meta obrigando o Banco Central a aumentar a Selic, que aumenta a Dívida Pública, que aumenta a insegurança jurídica e afasta os investimentos do mercado financeiro, onde os banqueiros realizam seus rendimentos.
Simples assim: os desempregados morrem de fome e os rentistas enchem as suas burras de dinheiro. Pensando com sinais trocados, a Faria Lima desenterra as “cabeças de cobra” das calçadas e enterra no lugar as nossas esperanças em um país mais justo e solidário!
Texto: Walmir de Albuquerque Barbosa – Professor, Jornalista e escritor.