O grande drama na vida de Jacó foi ter que lidar com a ardente ira de seu irmão Esaú. Após ter recebido a benção da primogenitura, herança e direito ao filho mais velho, pelas mãos do seu pai Isaque e sob as palavras de bençãos, Jacó torna-se alvo da fúria de seu irmão. Naquela família, não havia mais lugar para Jacó. Então, Jacó teve que sair rapidamente daquele lar às terras de seu tio Labão sob as palavras de: engano da sua mãe, ilusão do seu pai, fúria de seu irmão e desesperança própria. Jacó empreende uma fuga sob tais palavras e passa a habitar com o seu tio. Ali ele conhece Raquel, se casa com ela, tem filhos, prospera naquelas terras, mas ao se ver sendo usado, enganado e iludido pelo tio Labão, decide sair e regressar à terra dos seus pais.
Jacó recebe uma revelação de Deus para sair e retornar aos seus parentes. Jacó sai com suas mulheres, filhos, servos, servas e animais. Mas, ele tinha um drama para enfrentar: o reencontro com o seu irmão Esaú. Esaú vinha ao reencontro com um exército de 400 homens com ele. Naquela noite fria, Jacó e todos os que estavam com ele, tiveram que passar por Jaboque. Aquele vale não tinha nenhum significado para os que estavam com Jacó, mas para ele ali estava o fator que determinaria sua vida e história, e ainda a identidade e destino da sua descendência, ou seja, a história de um povo chamado Israel. Jacó pede para que todos passem adiante dele e, permanece só ali em Jaboque.
Jaboque significa: “lugar da travessia”. Também representa luta; esvaziar e transbordar. Jaboque é o lugar onde Jacó lutou com Deus. Algumas lições podemos extrair com esse acontecimento.
Primeiramente, à semelhança de Jacó se faz necessário que todos passemos por Jaboque.
“Levantou-se naquela mesma noite…e transpôs o vau de Jaboque” (Gênesis 32:22).
Jaboque é o lugar onde precisamos “resolver as coisas com Deus”. Antes de nos acertar com os outros, precisamos nos acertar com Deus. Antes de estar na presença das pessoas para a restauração dos relacionamentos, precisamos gastar tempo para a restauração do nosso relacionamento com Deus. A igreja vence o mundo não em conformidade com ele, mas em união com Cristo, em relacionamento com Ele. A igreja vence o sistema do maligno não por suas próprias forças, mas pelo poder de Deus, pela Palavra da verdade.
Para que o nosso progresso seja notório perante as pessoas que nos cercam, se faz necessário investirmos tempo a sós com Deus para o nosso quebrantamento diante dele, para o cuidado da nossa alma. O apóstolo Paulo exortou a Timoteo: “… sê diligente, para que o teu progresso a todos seja manifesto. Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina. Continua nestes deveres; porque, fazendo assim, salvarás tanto a ti mesmo como aos teus ouvintes” (1 Tm 4:15,16). O sábio nas Escrituras nos aconselhou: “Dá-me, filho meu, o teu coração, e os teus olhos se agradem dos meus caminhos” (Provérbios 23:26). E para tanto, se fará necessário nos rendermos à Deus. É preciso ter humildade, e não autocompaixão para enfrentar Deus face a face. Há muitas pessoas que acham que humildade é o mesmo que autocomiseração. Há muitas pessoas que pensam que estão sendo humildes na presença de Deus quando demonstram uma vida de autodepreciação. Há muitas pessoas que confundem humildade com miséria. Pobreza não é sinônimo de humildade, pois embora, haja muitas pessoas que sendo pobres são humildes, há, porém, muitas outras orgulhosas. Jaboque é o lugar do encontro das nossas fraquezas com a força de Deus. É o lugar de dar o coração em rendição a Deus, é uma rendição sincera, portanto, rendição total. Não há lugar para a autossuficiência em Jaboque, pois, vales nos falam de lugares baixos. É onde temos que nos baixar mais, nos inclinar mais e renunciar a nossas prepotências, manias de querer fazer tudo do nosso jeito, justiças próprias, pois, as nossas justiças são como trapos da imundícia.
Em Jaboque, não há lugar para a vontade própria, elas devem dar lugar à vontade do Senhor. No vale de Jaboque nossas ambições egoístas devem ceder aos propósitos de Deus. Em Jaboque, nossas armas adquiridas por nós mesmos, ou seja, carnais, são destruídas para usarmos as armas espirituais, pois elas sim, são “poderosas em Deus, para destruir fortalezas, anulando nós sofismas e toda altivez que se levante contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo pensamento à obediência de Cristo” (2 Coríntios 10:4,5). Antes de Deus usar um homem Ele o quebra primeiro. Portanto, se queremos ser instrumentos poderosos nãos mãos de Deus devemos estar conscientes de que Deus nos quebrantará primeiro. Deus não usa homens de nariz empinado, mas de coração quebrantado “… Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes. Sujeitai-vos, portanto, a Deus…” (Tiago 4:6,7).
Em segundo lugar, Jaboque é onde recebemos um novo caráter e uma nova identidade.
“Então, disse: Já não te chamarás Jacó e sim Israel,” (Gn 32:38).
Em Jaboque, Jacó recebeu um novo caráter, e um novo nome: Israel. É onde o “Jacó” deve morrer para viver o “Israel de Deus”. É onde Deus nos pergunta quem realmente somos. Se é Jacó ou Esaú. Porque Jacó havia enganado o seu pai e, mentindo disse que era o seu irmão Esaú. Em Jaboque, não dar para enganar Deus ou mentir para Ele. Certamente, a insana tentativa de enganar a Deus será um fracasso. Não dar para ser hipócrita diante da face de Deus. Podemos nos aparentar como cristãos piedosos diante das pessoas, mas, se isso não é verdade, diante de Deus não passa de uma mentira. “No tocante a Deus, professam conhecê-lo; entretanto, o negam por suas obras; é por isso que são abomináveis, desobedientes e reprovados para toda boa obra” (Tito 1:16). Não há lugar para o vitimismo em Jaboque. Não dar estando face a face com Deus para culpar outros por seus dilemas ou por seus fracassos. O paralítico do tanque de Betesda culpava as pessoas pelos fracassos de não ter conseguido chegar às águas. “Respondeu-lhe o enfermo: Senhor, não tenho ninguém que me ponha no tanque, quando a água é agitada; pois, enquanto eu vou, desce outro antes de mim” (João 5:7). Em Jaboque, não há lugar para as desculpas que damos por buscarmos atalhos para o sucesso pessoal, espiritual ou ministerial. É onde os estereótipos e os preconceitos que as pessoas tentam pôr em nós são destruídos para dar lugar à identidade que Deus nos dar e aos pensamentos que Ele têm sobre nós. É onde damos fim ao mau-caratismo que nos impede de viver uma vida vitoriosa e plena em Deus. É onde somos confrontados e convencidos por Deus a abandonar o pecado e as falhas de caráter. É também, o lugar onde descobrimos o poder de Deus para vencermos o velho eu, o homem carnal e mundano. Jaboque pode ser representado por uma crise espiritual de vida ou morte – ou morreremos espiritualmente, ou viveremos no poder de Deus, rompendo em fé, sendo transformados de glória em glória pelo Espírito de Deus (2 Co 3:18). É uma crise, portanto, que nos conduz à uma submissão absoluta e devoção sincera. Para que possamos vencer o nosso eu, com suas paixões egoístas, o vitimismo e a autoafirmação, precisaremos ir à Jaboque.
Em terceiro lugar, no vale de Jaboque, se atravessa sozinho.
“Jacó, porém, ficou só; e lutou com ele um varão, até que a alva subia” (Gn 32:24).
Jaboque significa “travessia”. Jaboque ainda é um dos principais tributários do rio Jordão. Suas águas deságuam no Jordão. Era um lugar abandonado. Isso nos fala de lutar pessoalmente com Deus, sem mais ninguém por perto, ou envolvido. É você e Deus. Há muitas pessoas que reclamam pelo fato de muitas vezes perceber estarem sozinhas em alguma dificuldade ou deserto. Mas, Jaboque é o lugar onde enfrentamos a Deus a sós, sem auxílio de pastores, irmãos, amigos, familiares. Nessa luta, para que haja transformação e avivamento em nossas vidas e ministérios se fará necessário sair do barulho febril da multidão para estar a sós com Deus. É uma luta interior íntima, é onde olhamos no espelho e vemos que a pessoa mais difícil de lidar é a que olhamos nesse espelho, isto é, nós mesmos. Por muitos anos Jacó viveu uma vida dissimulada. Há muitas pessoas dissimuladas, cínicas, tendenciosas, que se vangloriam de seus méritos pessoais e ministeriais. Há muitas pessoas que tentam se passar de trapaceiras, desonestas para conquistar algo na vida. Orgulhosas e vaidosas, tais pessoas são movidas pela conveniência pessoal. Mas, Jaboque é o nosso limite. Não tem para onde fugirmos. Muitas vezes nos veremos em condições como o apóstolo Paulo quando disse: “miserável homem que sou” e é em Jaboque a sós com Deus que seremos confrontados para sermos libertos de nós mesmos, curados e revestidos do Seu poder.
Em quarto lugar, Jaboque é o teste da nossa decisão por mudança.
“Perguntou-lhe, pois: Como te chamas? Ele respondeu: Jacó” (Gn 32:27).
Jacó estava diante da tremenda presença do Senhor, lutando pessoalmente com Ele, sendo toda aquela noite marcado por Deus. Jacó queria ser tratado por Deus. Ele queria a sua transformação. Ele queria o verdadeiro avivamento pessoal. Jacó sabia o que significava o seu nome: “usurpador de calcanhar”. Aquele que engana o irmão, a si próprio, e que acha que Deus não está vendo a vida de mentira, engano e dissimulação que ele está levando. Em Jaboque, face a face com Deus, teremos de enfrentar a realidade de que não podemos mais viver uma vida de pecado, desonra, mentira, falsidade. Em Jaboque, a mentira contra o Espírito Santo não prevalece (At 5.3-5). Portanto, Jaboque é o lugar de decisão, de mudança. Em Jaboque, o machado não está encravado no tronco da árvore, mas na sua raiz. Não basta apenas arrependimento, mas frutos dignos de arrependimento.
Finalmente, em Jaboque recebemos poder para prevalecer frente as hostilidades do mundo.
“… pois como príncipe lutaste com Deus e com os homens e prevaleceste” (Gn 32:38).
Só poderemos prevalecer neste mundo e contra este mundo corrompido por meio do poder de um novo caráter, o caráter de Cristo. Só poderemos prevalecer contra este sistema maligno com a nossa transformação pela renovação da nossa mente, sendo guiados pela mente de Cristo. Pensar como Cristo, pela influência do Espírito e a autoridade das Escrituras. Não se trata meramente de comportamento moral, mas de transformação de coração e vida. Em Cristo, somos transformados em uma nova criatura, com novos corações (2 Co 5:17). Jaboque ainda, fala do Calvário. Jacó lutou pela sua vida, mas Jesus lutou pelo mundo. Jacó precisou estar só com Deus não sendo exposto diante de ninguém, mas Jesus esteve ali sendo exposto aos olhos do mundo, um tremendo espetáculo de vergonha e horror. Muitos de nós detestamos a ideia de sermos expostos diante de Deus para um confronto. Mas, é expondo realmente quem somos diante de Deus e confessando nossos pecados uns aos outros que seremos curados para viver uma vida de poder. Ali na cruz, Cristo enfrentou a justa ira de Deus solvendo o cálice da Sua ira. Ele morreu a nossa morte, para que vivêssemos a sua vida. Sendo santo se fez pecado, sendo Deus se fez homem, sendo bendito se fez maldição. Tudo isso, para nos trazer de volta para Deus, nos concedendo o perdão dos nossos pecados, salvação, poder sobre o pecado e vida eterna. Na cruz, Jesus venceu os seus inimigos, os expondo-os ao desprezo (Cl 2:15).
Destarte, Jacó lutou com Deus e prevaleceu. Deus o marcou e o enfraqueceu. Em Jaboque, as resistências de Jacó caíram por terra. Ele deslocou seu quadril, Jacó saiu mancando, mas com o caráter transformado e a vida salva. Ele se tornou totalmente dependente de Deus. Em Jaboque, saímos mancando, marcados por Deus, humilhados, quebrantados, mas transformados com um caráter puro, dependentes Dele, santos como “…imitadores de Deus, como filhos amados…” para andar “…em amor, como também Cristo nos amou…” (Efésios 5:1,2). “Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (Ef 2:10). Jacó mudou o nome de Jaboque para “Peniel”. “Vi a Deus face a face, e a minha vida foi salva” (Gn 32:30). Peniel significa “a face de Deus”. Jacó agora é um homem piedoso. Ele viu Deus face a face, tinha sido marcado por Ele e sua vida foi salva. Certamente, em Peniel, “todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito” (2 Co 3:18).
Texto: Ediney Reis- Escritor